quinta-feira, 5 de junho de 2014

CÂMARA MUNICIPAL DO RIO DE JANEIRO HOMENAGEIA A PRINCESA DONA ISABEL




Dona Christine e Dom Antonio de Orleans e Bragança
acompanhados pelo Vereador Cesar Maia


Mais de 100 pessoas estiveram presentes a sessão da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na homenagem à Princesa Dona Isabel, pelo transcurso da data comemorativa da Lei Áurea.

Dona Christine e Dom Antonio de Orleans e Bragança representaram a Família Imperial. Presentes inúmeros membros do Círculo Monárquico do Rio de Janeiro e monarquistas de diversas entidades, além do Abade do Mosteiro do Rio de Janeiro, S.E.R., Dom José Palmeiro Mendes, OSB.


O destacado professor José Ubaldino Motta do Amaral que palestrou sobre a homenageada, destacando detalhes da vida e dos feitos da Princesa Redentora, conforme transcreve o Blog Monarquia Já através de indicação de seu colaborador e membro do Círculo Monárquico de Juiz de Fora, Jean Menezes do Carmo:


Exmo. Sr. Vereador César Maia, Altezas Imperiais e Reais D. Antônio e D. Christine, Príncipes do Brasil e de Orleans e Bragança, demais membros componentes da Mesa, Senhora e Senhores.


Pedem-me para falar sobre a Princesa Isabel, e eu pergunto:


Quem foi a Princesa Isabel?


Se fôssemos fazer uma pesquisa de rua, teríamos, com certeza, um resultado espantoso. Não tendo uma equipe que pudesse realizar tal pesquisa, fiz uma consulta entre pessoas de minhas relações, parentes, amigos, colegas de faculdade, de trabalho e da paróquia a que pertenço, empregadas domésticas, operários e até motoristas de táxi, e verifiquei:


a) 60 entrevistados (entre 8 e 96 anos, brancos, negros, mulatos e orientais; de analfabetos a doutores; de ambos os sexos; dos economicamente menos favorecidos aos mais favorecidos), 36 acertaram sucintamente “Foi a Princesa que libertou os escravos”; dos 36, somente 8 acertaram a resposta da pergunta: “Por que a Princesa pôde libertar os escravos?; dos 8, somente 1 acertou o ano em que ela faleceu.


Obtive respostas espantosas. Um a associou ao Zumbi dos Palmares; outros disseram que ela era mulher de D. Pedro II. Uma ainda achava que ela era “a rainha malvada que mandou matar Tiradentes”. Se perguntarmos por que ela pôde libertar os escravos, pouquíssimos saberão dizer. Ouvi até que “ela era princesa e podia fazer o que queria” Quando, eu disse que ela tinha falecido em 1921, foi um espanto geral. Até hoje, uma dessas entrevistadas, ainda lúcida aos 97 anos (nascida em 1917), se sente orgulhosa de ter sido contemporânea de Princesa, e me agradece a informação. A impressão geral que se tem é que ela embarcou para o exílio e desapareceu nas brumas do oceano.


Qual a causa dessa desinformação? E quem é a Princesa Isabel?


a) A maior personalidade feminina da História do Brasil, entretanto a mais caluniada e mais difamada.
Viveu 45 anos no Brasil e 31 no exílio. No Brasil, a partir de 1871, ano em que sancionou a Lei do Ventre Livre, passou a ser atacada da maneira mais baixa e cruel possível. Devemos nos lembrar que o partido republicano se originou de uma reação dos escravocratas contra essa lei. Os republicanos sempre foram aliados dos escravocratas e, com honrosas exceções, só se tornaram abolicionistas depois da Lei Áurea. De 1871 a 1889, foi atacada, de maneira brutal, pelos republicanos, mas não defendida pelos monarquistas. Dizem que os ministros – até conhecê-la melhor, com honrosas exceções, apenas toleravam-na. Era classificada de inepta, ignorante, fútil, interesseira – pasmem – adúltera. Em 1889, expulsa do país pelo golpe militar, ela foi propositalmente esquecida. A imprensa, não mais tão livre como no Império, a tratava com desprezo e com uma certa ironia, como se ela tivesse sido um mal necessário ao Brasil.


Entretanto, em 1921, o presidente Epitácio Pessoa decretou um luto oficial de três dias por seu falecimento, mas ela voltou a ser realmente lembrada em 1930, quanto caiu a primeira república (1891-1930), e assim foi até por volta de 1964, quando caiu a quarta república (1946-64), principalmente em 1946, ano de seu centenário, quando o túnel do Leme foi duplicado e a aberta a avenida que tem o seu nome. Façamos um parênteses: hoje estamos na sétima república (1988), o que nos dá mais repúblicas do que reinados, pois estaríamos no quinto.


A partir de 1988, ano do Centenário da Abolição, quando procuraram minimizar sua atuação, voltou a ser caluniada como enquanto aqui vivia. Era o regime republicano, que, não podendo mais negar seus próprios erros e vícios espalharia boatos sobre erros imaginários da monarquia, principal- mente, dos atos da Princesa.


A desinformação sobre a Princesa Isabel é proposital. A Princesa Isabel encarnava as virtudes que e república queria ter e não tinha por sua origem. Toda a desinformação foi baseada em quatro sofismas que procuraram desmoralizar sua memória.

1) Julgar personalidades e fatos do passado pelos padrões atuais (somente Cristo seria aprovado se assim julgado);

2) Confundir república com democracia (As maiores democracias do mundo atual são as monarquias, citando-se por continente: Europa, Noruega; Ásia, Japão; África, Marrocos; América, Canadá; Oceânia, Nova Zelândia;


3) Identificar a escravidão com a monarquia (A história da monarquia brasileira é a luta, durante oitenta anos, contra a escravidão);
4) Ver na república um estágio superior do desenvolvimento político (Se assim fosse, a América Latina seria um paraíso democrático, e absolutamente não o é).


b) Símbolo da mulher discriminada e vítima de preconceitos: Ela foi realmente discriminada. Hoje, os que tanto falam – e com razão – dos preconceitos e da discriminação sofrida pela mulher através dos séculos, deviam erigi-la em patrona das discriminadas, pois nenhuma mulher brasileira foi mais discriminada que ela, e por causa de atributos pessoais dos quais ela não podia se livrar.


1 – Era Princesa Imperial

A sucessão ao trono, regulada pelo art. 117 da Constituição de 1824, rezava, muito claramente, que esta se daria na descendência do Imperador D. Pedro I, preferindo-se as linha anteriores às posteriores; na mesma linha, o grau mais próximo ao mais remoto; no mesmo grau, o sexo masculino ao feminino; no mesmo sexo, o mais velho ao mais moço. Ela se encaixava neste último item. O Imperador tivera duas filhas que chegaram à idade adulta: ela e sua irmã mais moça, Leopoldina. Ora, ela era a mais velha. Mesmo que renunciasse ao cargo, sua herdeira seria outra Princesa Imperial.


2 – Era mulher; a mentalidade brasileira era extremamente machista. Ninguém criticava a Inglaterra e, mais tarde, a Holanda por serem governadas por rainhas.

Até as mulheres brasileiras não achavam de bom tom uma mulher no trono brasileiro.


3 – Era católica, mas acusada de ser fanática. O que se entende por fanatismo? As quatro atitudes do homem frente à vida: saber (ciência), fazer (técnica), sentir (arte) e crer (fé); o fanático é aquele que não admite nada além da fé; como os positivistas que chegaram a provocar uma revolta da escola militar contra a obrigatoriedade da vacina, certas seitas fundamentalistas (que se dizem cristãs), que não aceitam transfusões de sangue ou de medula; os fundamentalistas islâmicos. Mas ela não era mais católica do que as senhoras piedosas de sua época. Mais que isso: era profundamente cristã: amava a Deus sobre todas as coisas, quer se tratasse de sua pátria ou de sua família. A Deus ela recorreu em todas as crises da vida: a esterilidade, a política e os problemas de família. Apesar de não ser atendida em suas preces, ela nunca se revoltou. Na sua última doença, declarou ao confessor que ia administrar-lhe os últimos sacramentos: “Desejaria permanecer por mais algum tempo entre os meus, mas Deus sabe o que é melhor para nós”. Suas devoções nunca atrapalharam suas funções políticas. Poderia deixar de ser católica? Como seria julgada pela sociedade brasileira se se convertesse a outra fé? Ou se se declarasse ateia? Criticaram muitos suas devoções. Em todas as ocasiões dolorosas de sua vida, entregou a Deus a solução delas. Quais foram essas ocasiões?


ESTERILIDADE: seis gravidezes e três filhos: dois abortos espontâneos e uma menina natimorta. Enquanto sua irmã Leopoldina teve quatro meninos, Isabel não teve nenhum. Em 1868, vai a Caxambu, onde paga a promessa antes de receber a graça, a construção da capela a Santa Isabel da Hungria. Em 1869, ela se oporia a ida do Conde d’Eu ao Paraguai, temendo que ele morresse antes de ao menos ela lhe ter podido dar um filho.


Não havia um real problema de sucessão, porque seus sobrinhos eram seus herdeiros constitucionais. Mas, havia o forte instinto de maternidade. Mas ela tudo fez para ser mãe. Em 1871, ao assinar a Lei do Ventre Livre, ela estava grávida. Abortaria no mês seguinte. Tratando-se na Europa com o Dr. Depaul, ela engravida, mas voltando ao Brasil, teria a menina que nasceria morta. Em nenhum desses revezes ela esmoreceu; entregou tudo nas mãos de Deus e continuou a pedir-lhe a graça da maternidade. Somente ao completar onze anos de casada, em 15 de outubro de 1875, num parto extremamente difícil, atendida pelo mesmo Dr. Depaul, auxiliado pelo Dr. Sabóia Lima, e pela enfermeira Soyer, juntamente com seus pais e com a Condessa de Barral, ela dá a um a D. Pedro de Alcântara que, por causa de trauma sofrido na vértebra cervical, nasceria com o braço esquerdo paralisado.


SAÚDE DO FILHO – Passou um ano na Europa. Tratamento deu resultado. D. Pedro aprovado para as Escolas Militares que frequentou na Áustria. Era exímio cavaleiro e atirador.


LEI DO VENTRE LIVRE E LEI ÁUREA – Não tomou decisões políticas sem dúvidas ou hesitações. Muito pensou, pediu conselhos e teve seus embates íntimos. “Subi ao meu quarto e, de joelhos, agradeci a Deus ter podido tomar uma medida tão humanitária”, confessou a amigos, depois de assinar a sanção da Lei Áurea.


4 – Era casada com um estrangeiro.


Era preciso que se casasse. A primeira obrigação de um príncipe é a continuidade da dinastia; seu marido e primo-segundo, Gastão, conde d’Eu, foi verdadeiro “saco de pancadas” da oposição republicana.


De início, o Conde d’Eu, de apenas 22 anos, um tanto imaturo, parece ter pretendido ser autoritário, também no sentido político, para com a esposa. D. Pedro II tratou de fazê-lo ver seu lugar constitucional. A Princesa Isabel gostava mais de ser secretariada por ele (dizia que ele preparava-lhe as “papinhas”), homem extremamente organizado, que nunca jogava fora um papel, do que de ouvir suas opiniões. Além do mais, muitas vezes suas opiniões divergiam como acontecia nas sessões do Conselho de Estado, do qual ambos, por regra constitucional, faziam parte. Era tido como orgulhoso e pouco simpático, por causa da extrema surdez, que o impedira de aceitar um lugar de professor da Academia Militar, pois não ia conseguir ouvir as perguntas e respostas dos alunos. No final da vida, usava um cone acústico. Agiu estritamente dentro da constituição. Mas a grande divergência, que nos mostra a diferença de caráter de ambos, foi por ocasião do oferecimento pelos militares golpistas de uma indenização no valor de quatro toneladas e meia de ouro, ao Imperador para abdicar. A Princesa, sempre idealista, como foi dito, rejeitou-a horrorizada. O Conde d’Eu, mais prático, era de opinião de que D. Pedro II deveria aceitá-la.


Todos os políticos contemporâneos são unânimes em afirmar que o Conde d’Eu não influenciava em nada a Princesa Isabel.


Nenhuma das causas pelas quais era atacada prejudicava a nação.


c) Símbolo de um Brasil legítimo, verdadeiramente brasileiro.


Em 17 de novembro de 1889, foi expulsa do país como indigna de nele viver. Como isso pôde acontecer? Afinal, sua situação política era perfeitamente legítima e legal. Donde proviria, então, o direito de se fazer com ela e com toda sua família o que tinham feito? Se, nas democracias – e o Brasil era a maior democracia das Américas –, todo poder emana do povo e em seu nome é exercido, de onde vinha esse poder que a expulsava, já que não provinha do povo nem de seus representantes legais (O Imperador e a Assembleia Geral [Parlamento])?


A única resposta que temos é: não vinha do direito, vinha da força, e da força bruta. Quando dois dias antes, o general Deodoro resolvera, num ato covarde, de desobediência, de perjúrio, de ingratidão pessoal, e, principalmente, de antipatriotismo, “proclamar” a república, ele matou, no Brasil, o estado de direito. Acabou-se, para nós, a força do direito. Passaríamos, então, ao direito da força, mentalidade que, até hoje, vigora entre nós, pois aceitamos como ético qualquer ato de força, desde que defenda os interesses de uma classe ou de uma corporação, a que pertençamos ou que nos julguemos pertencer. O pensamento – ensinado nas Faculdades de Direito – que a força cria um novo direito, anulando o direito anterior, é totalmenteimoral; transforma o direito na força do mais forte; e a lei, neste tipo de direito posto no papel. Pode existir a legalidade, mas não há a legitimidade. Assim, hoje, muitos se horrorizam com as ditaduras fascistas e comunistas que existiram e ainda existem no mundo, mas se esquecem que elas foram ou sãolegais, pois estão dentro da lei que presentemente vigora nesses países. No verdadeiro pensamento ético, o direito violado se torna moralmente inalienável. Não há constituição, lei ou decreto que o anule. A legitimidade nada mais é que o direito por meio do direito. Se aceitamos o direito de golpe político, temos que aceitar tudo, até mesmo que os traficantes de drogas, pessoas e armas se apossem do governo.


Tem-se a impressão que tal mentalidade do direito da força sempre existiu no Brasil. Não é verdade. Até 1889, nada no Brasil se fizera na ilegalidade, nem mesmo as grandes mudanças que nos levaram à igualdade política (soberania, constitucionalização e a independência), e a caminho da igualdade social (abolição da escravatura).


A História do Brasil é uma história constante evolução.


De uma terra identificada, já em seus domínios teóricos, pelos navegadores portugueses, no tempo do Rei D. Manuel, e dividida em quinze capitanias por D. João III, a uma nação politicamente independente, o Brasil evoluiu constantemente. As mesmas capitanias foram ligadas entre si por um Governo Geral, que transformado em Vice-Reino, atravessou os séculos XVI, XVII e XVIII.


A grande mancha, que nos iria acompanhar durante toda a história, foi a escravidão africana. Não havia outra maneira de levar a colonização à frente, com uma população branca tão pequena e – diga-se de passagem – avessa ao trabalho braçal. Porque, para o português, o trabalho braçal era indigno. A Península Ibérica cristã, invadida e dominada pelos mouros muçulmanos, levou 700 anos para expulsá-los. O mouro ficou, para sempre, no espírito ibérico, como símbolo do inimigo anticristão. Mas o mouro trabalhava no campo, mourejava. Ora, assim, tal trabalho era mal visto pelo cristão que queria ser cavaleiro. Daí, em última análise, a necessidade do braço escravo negro na colonização brasileira.


Foi uma colonização boa? À primeira vista foi inferior às colonizações espanhola e inglesa. O português, sempre tendo que se defender da absorção castelhana, nunca pode admitir uma nação múltipla. Assim, sua política nunca foi a de desenvolver a colônia senão para sustentar a metrópole. Tal política havia de provocar reações da identidade nacional que se formava. Quando tais reações estavam chegando a um ponto crítico, uma personalidade internacional tomou uma resolução decisiva.


Em 1807, o Imperador Napoleão Bonaparte, ao ver que Portugal não se submeteria à sua vontade (bloqueio continental) decretou sua extinção e sua divisão entre seus aliados, mas não imaginava o benefício que estava fazendo ao Brasil. O Príncipe Regente D. João, ao fugir com o governo português para a colônia, se tornaria o fundador da nacionalidade brasileira, e iria redimir todos os erros cometidos pela colonização lusa, dando-nos soberania e a unidade política, enquanto a América Espanhola se fragmentava em repúblicas mais ou menos lamentáveis, que se tornariam, rapidamente, objeto da ambição e da cobiça do imperialismo dos Estados Unidos. Realmente, D. João VI fez o Brasil progredir trezentos anos em treze (1808-21).


E a evolução brasileira continuou, cada vez mais rapidamente: em 1808, de colônia explorada, com as quinze capitanias, passamos a sede da monarquia portuguesa, com dezoito províncias; em 1815, a Reino Unido a Portugal e Algarves, obtendo, assim, nossa soberania; e, em 1821, a monarquia constitucional.


Ao tentar desfazer as reformas de D. João VI em favor do Brasil, a constituinte portuguesa (cortes) provocou o movimento da independência, apoiado pelo Regente D. Pedro, que se tornaria o Imperador D. Pedro I. A revolução da independência foi uma revolução legítima, pois manteve a nossa evolução, manteve os nossos direitos à soberania nacional que já possuíamos.


A Constituição de 1824 não foi outorgada como geralmente se ensina. A outorga dá ideia da cessão de um direito. Ora, D. Pedro I não tinha nem se sentia com direitos de soberano absoluto, por isso não se pode dizer que ele outorgava nada ao povo. Essa outorga já havia sido feita por D. João VI em 1820, ao aceitar o fim do absolutismo no Reino-Unido. A Constituição de 1824 apenas não foi feita por uma constituinte eleita, mas nomeada, e esse fato a tornou superior a qualquer das sete (1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969 e 1988) que a seguiram; é considerada, hoje, por todos os estudiosos, brasileiros e estrangeiros, como um monumento jurídico. Ela nos daria a estabilidade política por quase 70 anos. A criação de um poder neutro, fiscal, apartidário, o Poder Moderador, foi de um acerto extraordinário. Com ele, o Brasil continuou a evoluir politicamente. Quando exercido por pessoas não habilitadas, de 1831 a 1840, no chamado período regencial, a unidade nacional quase naufragou. Um menino de 16 anos incompletos, conseguiu recuperar o país. Por que? Porque ele era, como seu avô e seu pai, um símbolo vivo da nação.


Resolvido o problema da unidade, sobrava o problema social da escravidão. Hoje em dia, muito se costuma identificar a monarquia com a escravidão, a alegação foi muito usada na propaganda republicana na época do Plebiscito.


Pelo contrário: a história da monarquia brasileira resume-se em sua luta contra a escravidão. D. João VI já demonstrara comiseração para com os negros. D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, teve de abdicar – sabe-se hoje – porque a Fala do Trono, com que ia abrir a Assembleia Geral (Parlamento) em 3 de maio, solicitava aos deputados que pensassem numa solução para o problema escravo.


Conhecem-se as leis antiescravagistas durante o reinado de D. Pedro II: a Lei Eusébio de Queiroz (Lei do Trafico), que proibia o tráfico negreiro; a Lei Paranhos (Lei do Ventre Livre), que declarava livres os filhos nascidos de escravas; a Lei Saraiva-Cotegipe (Lei dos Sexagenários), que libertava os escravos aos sessenta anos de idade; e finalmente a Lei Áurea, que extinguia a escravidão no Brasil.


A Princesa Isabel esteve ligada a dois desses fatos. Ela, como regente do Império, em lugar de seu pai, como chefe do Poder Moderador e chefe nominal do Poder Executivo, sancionara as duas leis, respectivamente em 28 de setembro de 1871 e em 13 de maio de 1888.


Costuma-se considerar que o golpe militar que nos impôs a república foi uma consequência da abolição da escravatura. A Princesa teria sacrificado seu trono em prol dos escravos. Realmente, ela arriscou que os senhores de escravos, que tiveram sua propriedade confiscada pela Lei Áurea, viessem a eleger uma maioria republicana. O Presidente do Conselho de Ministros (Primeiro-Ministro) teria, assim, de ser escolhido dentre essa maioria. Ele, certamente, solicitaria da Câmara uma lei que abolisse a monarquia, que deveria ser – tal como cerca de 60 anos mais tarde aconteceu na Islândia, ao separar-se da Dinamarca – sancionada pelo Imperador. A tal circunstância realmente ela se arriscou. Mas, o que aconteceu foi algo inteiramente diferente: o partido republicano perdeu duas das quatro cadeiras que ocupava na Câmara. A Princesa passou a gozar de imensa popularidade. Onde quer que aparecesse era ovacionada. Desapontados, os republicanos viram que só poderiam chegar ao poder através de um golpe de força. Aproveitaram-se do desentendimento do Partido Liberal com o Clube Militar, espalharam boatos e aconteceu o que aconteceu.


Sabemos muito de sua vida no Brasil. Felizmente, há inúmeras boas obras a seu respeito, escritas por pesquisadores sérios e isentos, desde Pedro Calmon até Jacobina Lacombe. Há mesmo um que só trata de suas gravidezes (sempre de risco) e seus partos difíceis, de Barros Simões. Documentação preciosa se encontra nos Arquivos do Castelo d’Eu, hoje em poder do Itamarati, no Museu Histórico, no Museu Imperial em Petrópolis, no Museu Mariano Procópio, em Juiz de Fora, para citar somente os mais importantes.


Entretanto, de sua vida no exílio, pouco se fala. Todos os seus biógrafos tratam seus últimos trinta anos de vida em poucas páginas, no máximo em um capítulo. Até mesmo Alberto Rangel que em sua obra “Gastão de Orleans, o último Conde d’Eu”, abrevia os trinta anos em poucas páginas. Fato bem estranho, pois ele, como historiador e bibliotecário, foi contratado pela Família Imperial para organizar os Arquivos do Castelo d’Eu.


Desse período temos fontes fidedignas:


1) Um Jovem Príncipe Cristão – D. Luis Gastão do Brasil (Um jeune Prince Chrétien – Louis d’Orléans-Bragance), de Monsenhor René Delair (tradução publicada na Internet)


2) De todo Coração (Tout m’est Bonheur), de Isabel de Orléans e Bragança, condessa de Paris (tradução publicada)


3) Minha Mãe, a Princesa Imperial Viúva (Le Temps de ma Mère), de Pia Maria, Princesa Imperial do Brasil, condessa Renato de Nicolaÿ (tradução não publicada)


4) Memórias, de Alberto Latapie, administrador do Castelo d’Eu (já traduzido e não publicado)


5) Correspondência passiva – Arquivos do Castelo d’Eu


6) Correspondência ativa – Em vários arquivos.


Podemos dividir esses 31 anos em três período. O primeiro que vai de 1891 a 1901, depois de ser obrigada a aviver modestamente com uma mesada dada pelo sogro, ela, com a herança recebida de D. Teresa Cristina, adquire o palacete de Boulogne-sur-Seine (1895), onde instala sua casa brasileira, inclusive com uma pequena capela, onde introniza a Rosa de Ouro, condecoração que merecidamente recebera do Papa Leão XIII. É o período em que o casal se dedica à educação dos três filhos, matriculados, primeiramente, no Colégio Stanislas, em Vaugirard e, mais tarde na Escola Militar de Wienner-Neustadt, e Mariahilfestrasse, em Viena, ambas na Áustria, de onde os três sairiam oficiais do exército imperial austro-húngaro.


Nesse período, em 1895, Alberto Latapie é contratado. Falecem o Duque de Nemours e sua filha Margarida Czartoryska. Trava conhecimento com José Sarto, Patriarca de Veneza. Ela felicita-o por ter sabido que ele aprovara, depois de uma entrevista, a entrada de uma negra sudanesa, num convento nas irmãs canossianas. Como ela, ele mostrara não ter preconceito de raça. Este patriarca se tornaria o Papa Pio X, hoje São Pio X; a negra sudanesa, Santa Josefina Bakhita.
Dá-se a tragédia do incêndio do Bazar de Caridade, em 4 de maio de 1897, onde morre a Duquesa de Alençon. O Conde d’Eu estava na Itália em visita a um tio. A Princesa, que colaborava com a concunhada, Duquesa de Alençon, teve de voltar para casa cedo, e pediu a Latapie que levasse um recado à Duquesa. Ele chegou e encontrou o local em chamas. “Soube que Cândido Guimarães – amigo de seus filhos – tinha chegado, perguntado se D. Isabel estava em casa e – resposta positiva – tinha lhe contado que o Bazar de Caridade, onde havia muita gente, tinha sido destruído por um incêndio, e que estavam muito preocupados com a duquesa de Alençon, de quem nada sabiam o que tinha acontecido. Imediatamente, a Princesa pediu o coche e dirigiu-se sozinha a Paris. Não quis levar Latapie, nem D. Antônio (15 anos), considerado muito jovem para ver corpos carbonizados. Os outros filhos estavam na Áustria. Ela voltou tarde; tinha empreendido todas as buscas possíveis e imagináveis. No Palácio da Indústria, para onde tinham sido levados os corpos das vítimas, não se tinha ainda certeza de que a duquesa de Alençon estava entre os irreconhecíveis”. Realmente, seu corpo somente foi reconhecido por seu dentista, através da arcada dentária.
O segundo vai de 1901 a 1914. Os filhos atingem a maioridade e cada um recebe seu diploma nas respectivas escolas militares. D. Antônio, o mais moço, se apaixona pela princesa Adelaide de Bourbon-Parma, filha do Duque de Parma, que não aceita sua corte, apesar de seus pais e a Princesa e o Conde d’Eu aprovarem o casamento. Com o falecimento do Duque de Parma, em 1907, ela e duas irmãs se tornam monjas beneditinas. Desiludido, ele decide não mais se casar, e passa ter uma vida um tanto folgada, com namoros e casos amorosos, para o desespero da Princesa, sempre preocupada com a salvação da alma dos filhos.
Nessa época, seu marido adquire o castelo d’Eu.Construção com cerca de 300 anos, teve, em 1902, toda a parte sul destruída por um violento incêndio que poupou apenas a capela e o banheiro. Seu proprietário, o Duque de Orléans, Chefe da Casa Real de França, pretendia demolir o que restava dele, mas, em 1904, aceitou vendê-lo ao Conde d’Eu. Infelizmente, este preferiu adquirir somente o castelo, mas não a floresta anexa, e aplicar seu dinheiro em ações na Bolsa de Paris. Foi um erro fatal. O castelo não pôde se manter sem a floresta e seus herdeiros acabaram tendo de vendê-lo na década de 1960. Mas, em 1905 os trabalhos de restauração foram levados a cabo pelo Conde d'Eu e, mais tarde, por seu filho D. Pedro de Alcântara. Nessa propriedade, o Conde d’Eu se sentiu realizado. Na vida política do Brasil, fora um verdadeiro “saco de pancadas”. Agora, estava na França, onde não era mais hostilizado, e instalado no castelo que levava o seu nome. Não podemos deixar de lhe dar uma certa razão. Talvez essa plena realização entristecesse um pouco a Princesa Isabel, sempre saudosa do Brasil. Sua neta, a Condessa de Paris, testemunha que seus avós habitavam os mesmos aposentos, conversavam muito, nunca discutiam, mas jamais riam.


Vai a Roma algumas vezes. Tem entrevistas com os papas Leão XIII e Pio X. Bento XV não a conheceu. Seu pontificado teve a duração da I Guerra Mundial. E ela, só saiu uma vez da França, para ir a Espanha.


Sempre manteve contatos epistolares com o Brasil. Politicamente, desaprovou o uso da força para uma restauração da Monarquia. A muitos (João Alfredo, Gunbçeton Daudt, Visconde de Maracaju) concedeu licença a ela solicitada para exercerem cargos no governo, já que eram para o bem do Brasil. O único a nunca aceitar cargo algum apesar de sua licença, foi o Visconde Taunay, que ficou numa situação de penúria, mas sempre fiel à memória do “seu Imperador” e à “sua Imperatriz”.


Nessa época, D. Luís conhece a princesa Maria Pia de Bourbon-Siília, sua prima-segunda, filha do Conde de Caserta, Chefe da Casa Real das Duas Sicílias, então exilado em Cannes. A princesa era um tipo de beleza. Declarou aos pais que só se casaria com ele e com mais nenhum outro. Ele comunicou aos pais que desejava pedi-la em casamento, aprovado totalmente pela Princesa Isabel, pois o Conde e a Condessa de Caserta eram seus primos-irmãos. Esse casamento levaria quase cinco anos para se realizar.


A Casa Real de França em vias de extinção. O Conde d’Eu vê a possibilidade de criar um ramo francês em sua descendência. Tenta convencer a D. Luís de renunciar seus direitos brasileiros para se candidatar a essa presumida herança, mas este se nega peremptoriamente. Mas D. Pedro de Alcântara cede. Mais ou menos na mesma época que o irmão, ele tinha conhecido a condessa Elisabeth Dobrzensky de Dobrzenicz, da alta nobreza da Boêmia, cujo castelo passou a frequentar. Mas a condessa não é aceita pela Casa Real de França, por não ter sangue real (Alteza). É a condição que D. Pedro exige para sua renúncia. No documento da renúncia, ele não cita o motivo. Se citasse, ela seria inconstitucional, pois a Constituição de 1824 não tratava no casamento dos príncipes, mas somente de uma imperatriz reinante.


A Princesa sentiu que sua família, que era, até então, a Família Imperial do Brasil, se dividia. Foi obrigada a aceitar – desculpem-me a expressão – aquela “desculpa esfarrapada” de um casamento desigual. Ela, pessoalmente, não nutria sentimentos tão aristocráticos como a Casa Real de França. D. Pedro de Alcântara renunciou aos seus direitos para atender o desejo paterno. Aplicaram um dispositivo francês na Família Imperial brasileira. Criou-se uma condição supraconstitucional, que não tinham direito de criar, pois só a Assembleia Geral Imperial (então inexistente) tinha autoridade de alterar a Constituição. Isso, naturalmente, não invalida essa renúncia, nem a todas que a seguiram através dos tempos.


13 de julho de 1905 – Santos Dumont cai com seu balão sobre uma árvore da propriedade vizinha, ficando preso entre os galhos até ser retirado por bombeiros. A princesa Manda-lhe um farnel para que almoçasse ali mesmo e lhe dá uma medalha de São Bento, protetor contra acidentes. Ele que se torna amigo de seus filhos, tendo mesmo levado com ele em seus voos.

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